quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Benvindo o deserto das almas

Uma bomba aterrizou, explodiu
Deixando apenas destroços
E o iminente vazio
Com a melancolia veio a serenidade
O pesar e o olhar depurado sobre o calmo movimento da mente
Na letargia dos dias maquinais, tampouco a agitação, nada de euforia
O solavanco pesado reverberando nas ideias, muita fumaça
Entardecer na cidade

das avenidas barulhentas e alamedas arborizadas.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Quintal com Gatos

Encostei-me na janela do quarto observando do quarto andar o pequeno quintal abandonado do edifício. Era inverno do lado de fora e podia sentir o frio através do vidro. Pequenas manchas de vapor se formavam a medida que respirava, e desapareciam apressadas antes que eu tivesse tempo de inspirar. Avistei um gato preto caminhando delicadamente entre o verde gelado. As moitas e pequenas folhagens tão pequenas e insignificantes para nós, uma selva para o gato, naquele momento rei da floresta. Um outro gato preto atirou-se muro adentro e agora desbrava impacientemente os arbustos selvagens. Um mundo inteiro do outro lado da rua, mas nesse pequeno espaço dois gatos pretos estão sutilmente batalhando seu destino, identicos. Os rabos inquietos movimentam-se como caracois enquanto ambos mantem uma certa distância, observantes. Uma breve pausa e cada um segue o seu caminho.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Devassidão

É tanta coisa que sinto na alma feminina que não cabe em si, transborda, esparrama, faz a mente ricochetear e se perder em meio ao turbilhão de sensações, daquelas que se multiplicam aos borbotões.

domingo, 19 de outubro de 2014

As coisas que amo

Visto meu robe acetinado com florzinhas japonesas e quase me sinto gueixa. O toque sutil beirando o imperceptível roçando a penugem fina alourada de meus pulsos agora cobertos, é a tradução do amor puro, se me perguntassem, transbordando aos pouquinhos. 

Deixei de amar pessoas anos atrás por decepção, agora só objetos. Coisas as quais a possibilidade de controle existe e é real. Tenho espalhadas pela casa algumas plantinhas, mas nada que possua muito sentimento. 

Troquei jantares caros, viagens, o meu beagle castanho que só gerava despesas com veterinario, por objetos estáticos. O conforto do meu ninho. Comprei um sofá vintage e mandei reformar, os exarpes de cashmere, os vestidos de seda, o casaco 100% lã alpaca. Um luxo. Me sento na poltroninha rosada com pezinhos de madeira nobre em forma de patinhas e assisto TV. Na tela, a Roda da Fortuna. Suspiro frustrada. O barulho do ponteiro tic tic passando pelos prêmios. A mansão branca na beira 
de um penhasco, os objetos raros.

domingo, 10 de agosto de 2014

Roupa de Dormir

Ela atravessou com passo lento e tímido a sala de estar. Sentou por um instante na antiga poltrona reencapada de popeline e pôs-se a refletir, com ar de nostalgia. Momentos antes revelara a vontade de lhe beijar a boca. Sem reação continuaram em silêncio rumo ao táxi parado na esquina da noite fria. No quarto, ele lhe entregou o pijama impecavelmente dobrado, o qual ainda lavava com regularidade – feito o zelo de uma mãe para um filho que já morreu – a fim conservar o frescor e o perfume do amaciante.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Chuva

Naquele dia havia um casal sentado na beira do mar e por um instante eu suspeitei que seria a espectadora sortuda de um beijo roubado, por parte da garota. Ela inclinou-se na direção do moço, mas só para observar as nuvens. Antes tivessem se beijado, com os trovões e subitos feixes brilhantes que corriam selvagens pelos céu, e tudo teria sido muito mais dramatico - lamentei. Na noite anterior ouvi boatos de que haveria uma enxente. Tudo muito exagerado atualmente se me perguntassem, como se uma breve pancada de água pudesse encher um oceano. Eu assistia pela janela a violência na qual o barco persistia sôfrego na tentativa de quebrar a barreira invisível de ondas. E os pingos afiados multiplicavam-se como alfinetes penetrando o mar. Levantei-me e corri para fora na tentativa de avistar o casal novamente. A água cortando fria meu rosto, um quase-beijo afogado.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Agridoce

A doçura e o tormento de um grande momento.
Já não se vestia ou gesticulava daquela forma. Largou os vícios como se nunca houvera, adotando rituais e um condicionamento mais produtivo. Aparência mais tranquila. O desconforto e a insegurança varridos como numa grande faxina. Resultado de uma brutal ruptura da frágil estrutura que sustentou, anos a fio, todo um reino de imaturidade.
A casa infelizmente está vazia. Porém em ordem.

Clausura

O vazamento escorrendo de alguns pequenos furos e rachaduras que surgiram na imensa parede de aço e concreto da represa. Apenas o suficiente, para que violentamente estourasse completamente a barragem, e o gigantesco volume de água – com a voluptuosa ira de um gigante – viesse destruindo tudo o que encontrasse pela frente.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Estrangeiro

Não pertencia ou intendia pertencer a aquele lugar. Era passageiro, ou ao menos era isso que repetia para si mesmo quando as burocracias estrangeiras o afligiam. Fosse só a questão da papelada, contratava um advogado, um tradutor, e quem sabe tudo se resolveria. Mas e todo aquele barulho? Toda aquela barulheira. Toda aquela gente. Aquela lingua que se assemelhava a um ruido. Um rato escondido roendo as entranhas das paredes, enquanto a única coisa que ele podia fazer era ouvir calado. E ambas entranhas da casa e de seu corpo fatigadas de tanto roer.

Sonho

Sempre quis ser confeiteira, abrir meu próprio negócio. Nada de grandioso não, só uma portinha com cinco cadeiras dentro e um balcão. O cheiro de pão fresquinho saindo do forno direto pra boca do cliente. A casquinha crocante e quente envolvendo um miolo fofinho fofinho. Hm... E os bolos então. A espátula cortando tenra o macio chocolate com creme derretido de recheio, os suspiros rosados quebrando na superfície, Ah... a alegria de viver!

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Qual o tema?

Acendeu mais um copo de vinho e entornou outra garfada de bituca vazia de cocaína. Sonha! Não se droga mais, apenas toma café e cerveja. Apenas espera uma pergunta que vinha todos os dias e relutava em ouvi-la: Como foi seu dia? Caiu desconcertado, como um naco de palmito na quadra, que o pulso ficou torto igual um garfo, ortopedia, fratura. Quatro semanas de gesso e não se ouve mais a frase: Como foi seu dia? A dona da pergunta enfim segue seu curso entremeado pela melodia das novas possibilidades, e o lacaio sem osso passeia atravancado pela sinfonia do tema, qual o tema? Desespero.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Motocicleta

Tinham só vinte e um quando diante do Senhor, e de mais duas testemunhas, juraram o famoso amor eterno, que dura até na tristeza e na pobreza, ou pelo menos isso era o que diziam com um filho na barriga, outro no colo, miojo e salada de pepino pra dividir na janta, e para o transporte da família uma motocicleta.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Vento gelado

Primeiro o choque, as inúmeras interrogações, enquanto os dias passam, mais lembranças vindo à tona com total significação de vazio e temor, oscilando a cortina do tempo.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Bombeiro

Conheci minha esposa após um certo incidente que ocorreu na Igreja Celestial de Todos os Amores, dia 26 de junho do ano passado. Seu cabelo loiro curtinho brilhava com o reflexo das fagulhas cintilantes. Ela permanecia sentada em um canto, iluminada. Perguntei se estava se sentindo bem já que não apresentava sinais físicos de algum ferimento. Ela me encarou por um momento calada. Seus imensos olhos ambar tornaram para o caminhão extinguindo as chamas, em um movimento frenético pôs-se a chorar. Apertei-a contra meu peito tentando acalma-la e pude sentir seu coracão contorcendo. Ela deve ter perdido um ente querido, foi meu primeiro pensamento. Alguém se aproximou de nós um tanto consternado. Eu também me senti envergonhado com a proximidade que eu permiti a vitima. Suas mãos seguravam meu peito enquanto ela soluçava. "Graças a Deus que você encontrou a Ana." Calmamente ela se libertou de meu corpo, escapando. No meu bolso restava uma caixinha de fósforo com seu número. Aninha dos palitos.