domingo, 27 de janeiro de 2013

Silêncio

Minha Cecília imersa na piscina de casa pela metade. Sua costa magra alva se enchendo de fagulhas, o biquini preto contrastando com o leite translucido de sua pele. Seu cabelo acobreado molhado e penteado com os dedos para trás, enquanto debruçada sobre a borda dormia, ou fingia que. Cecília adormecida. Que bela obra-prima era, e a admirava pela janela enquanto preparava um drink.

Queria tocar Cecília e passar com ela as horas até o sol se por. Abri a porta para os fundos e pude notar o leve reflexo de suas delicadas orelhas ao soar de meus sapatos. Me sentei próximo a ela e degustei meu gin e tonica. Suspirei. Nunca me acostumara com a vista que tinhamos de nossa casa, o cheiro fresco das montanhas a se misturar delicadamente com o salgado do mar. Um presente pra você, Cecília. Ela abriu brevemente seus olhos selvagens e tornou a mim seu pescoço, não proferiu sequer uma palavra. Fechou os olhos e posou novamente a cabeça sobre os braços, silenciosa.

Dez anos atrás me puxaria para a piscina ainda com o terno e nos amaríamos até quase morrermos afogados. Riríamos embriagados feito dois adolescentes. Era assim que Cecília fazia. Seu olhar ébrio de lascívia me devorando, sua carne macia transbordando amor. Se enrolava toda nos lençois úmidos de suor e se aconchegava em meus braços, seu rosto doce cheio de felicidade.

Agora nada mais me restava de Cecília além de sua bela imagem e seu silêncio. Os caros jantares que a levei, os bailes de luxo, as viagens que queria leva-la mas ela nunca aparecia no aeroporto ou se escondia. Criou fobia de avião me disse uma vez, alias, me deixou um bilhete. E desaparecia. Desaparecia mesmo dentro de nossa própria casa. Comprei pra ela uma casa na praia, e um carro novo, e vestidos, dezenas de vestidos que ela nunca vestia, e desaparecia com eles também.

Eu nunca pedi nada disso, lamentava. E acariciava a barriga. O corte fundo no ventre, era tudo que seus dedinhos sentiam. Seus olhos se enchendo de lágrimas. O sangue escuro escorrendo e pingando de seu joelho. As perninhas tremulas enquanto olhava para mim e perguntava porque eu tinha feito isso.

Eu queria tanto um filho -  foi a ultima coisa que me disse, olhando fundo em meus olhos. Me perdoa Cecília, segurei sua mão enquanto mentia. Paguei um cirurgião para arrumar sua barriga, queria que ela ficasse bem denovo em um biquini. Acordou muda da cirurgia. Cecília calada.







Onze

Dez e trinta na Capital, e ela que moça de cidade pequena não sabia nem o necessário para descer do onibus. O ultimo ponto é deveras afastado e se esconde onde a penumbra noturna devora as luzinhas da cidade. E ela que tinha tanto medo do escuro. Apressou o passo, a bolsa no ombro apertada entre os finos dedos ralados e avermelhados de frio.

Dez minutos a mais, e eu estou em casa, ela pensou, e uma sensação de conforto adentrou seu espírito como a ideia de tirar as botas pesadas e o casaco e embalar seus pezinhos gelados em uma boa coberta. O vapor do cha acariciando a mucosa tenue de suas narinas. Chá de camomila pra acalmar os nervos e um bom livro para.

Sentiu alguma coisa esbarrar em seu braço e aquele doce sentimento de outrora fora bruscamente interrompido. Cidade nojenta cheia de gente imunda, pensou ao olhar a figura soturna que havia causado tamanho desconforto. Gente não civilizada.

A figura permaneceu ao seu lado observando com lascívia os contornos daquela moça que não pertencia aquele lugar. Murmurou algumas palavras sujas indecifráveis, mas que nelas haviam certeza de uma certa imundice de carater. As botas de couro marrom ainda mais apressadas. Mais do que nunca ela precisava fugir.

Dez e quarenta e aquela cidade ainda resistia a sonolência. Haviam tantas pessoas na rua, uma verdadeira multidão, entao porque aquela figura insistia? Parou no meio de um cruzamento movimentado e mudou o caminho. Quantas vezes. O mesmo animal excitado seguindo seu cheiro por todo o caminho. Uma besta. E lembrava algumas passagens da Biblia enquanto a figura se aproximava grunhindo.

Se adentrou em um grupo de pessoas conversando na tentativa de um esconderijo, a chave de casa apertada na mão, os dentinhos se fincando nos dedos. Gritou! Gritou tantas vezes. Para! Some daqui! Por que? Por que meu pai do céu?! E nenhuma alma se compadecia de sua causa, nem mesmo notavam que ela estava ali desesperada enquanto um cachorro humano farejava o cheiro do cio.

Dez para as onze. Um telefonema. Alguém? Por favor, suplicava enquanto as lágrimas escorriam de sua face rubra. Os olhos encharcados do choro, a visão baça. Começou a correr, dobrou esquinas, tornou ruas. Os pés cansados e os tornozelos prestes a ceder. Um ruído agudo dentro da escuridão das horas. O relógio bate as onze.