sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Fim do Mundo

Logo depois descemos a ribanceira para encontrar o resto do bando e contar a novidade. Colaram mais alguns chegados e na sequência o Alemão, deslizando feito lagarto sebento - velho conhecido da rua, não gostava de pegar no batente, então passava fumo e farinha - que, apesar de não ter muita amizade com a maioria ainda assim fez uma reverência e foi se enturmando.

Eu via metade dos camaradas do outro lado da rua epoleirados feito corujas sossegadas. O sol batia de voleio no meio da rua. Tumba deu a letra à todos letra que era melhor nos recolher no bar. Aquele mesmo com teto de zinco e paredes de madeira, bom ambiente da rapaziada. Vi minha namorada com a turminha dela, deixa ela ali, não me preocupo, não gosto mais dela mesmo. Perguntei rindo ao camarada Tumba: Qual que é? Ele disse pra gente se proteger. Todos no interior do bar ficamos de cócoras. E pela janelinha de vidro da porta principal pudemos ver o espetáculo que se apresentava. De repente uma sombra gigante na paisagem e uma nave escarlate da dimensão de um bairro aterrizando capenga e indo de encontro às montanhas. Estrondo.

Fechei os olhos e ouvia os estrondos seguidos se aproximando e ficando maiores. Olhos fechados e ouvindo pedras, madeiras e escombros caindo. Segurei protegendo os óculos com as mãos e abracei bem forte meus amigos, alguns eu não sentia mais. Os estrondos cessaram. Temi abrir os olhos, segurei protegendo os óculos com as mãos para não se quebrar. Ouvi mais estrondos, pedras, estilhaços, senti os escombros e o imenso tremor de terra. Abri os olhos e sonhei que atirava bolas de meia na plateia.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Dama de Espadas

Oh, quanto tempo, majestade!
Quanto tempo...
Cabelos desgrenhados e a pálida tez
Continuas a mesma friagem calculista
A racionalidade imperando seus atos
Reprimindo-lhe as sensações.

Que pena! Dama de Espadas.

Não reflito em seus olhos castanhos e aflitos
A sua aura inteligente e cortante de outrora
Afundou-te a alma bem funda em si mesma
Esqueceste do mundo lá fora.

Que pena! Dama de Espadas.

Acreditei na afinidade do espelho narciso
Enxergava nas cartas, runas, pedras e vinho
O nosso coração, dançando, inebriante
A mesma melodia, o mesmo ritmo.

Que pena...


domingo, 12 de agosto de 2012

Trago de-volta a pessoa Amada.

É esse o lugar? - Murmurei um tanto silenciosa porque e se fosse o lugar e alguém ficasse ofendido? Eu não gosto dessas coisas de ofender os outros, já basta a vida. Ela segurava minha mão enquanto atravessavamos as portinhas coloridas mergulhando nos corredores úmidos cheirando mofo. Verde embolorado. Relaxa Cê, eu sei aonde eu tô te levando. Você precisa ver essa Dona, coisa incrível, lembra do Mauro? Lembra né. Puts, então. Relaxa que eu sei o que eu to fazendo.Você precisa ver, Cê, Puts. Ela fala umas coisas assim que você não acredita,sabe? Como ela sabe? Não sei mas. Puts, não dá nem pra explicar. Ama-ração-Amor-rosa. E o amor rosinha escapando do meu peito. Cansei, quero ir embora, não chega nunca, tá doendo, tá tudo doendo, não aguento mais respirar verde esse mofo, meu pulmão, tá todo fodido já, deixa quieto. Uma voz soprou no meu ouvido um ruído pavoroso e do fundo daquele quartinho, me chamou pelo nome. Cecília Ana. A porta era vermelha e tinha umas coisas esquisitas escritas no chão com cal branco. Uma cortina de miçanguinhas púrpuras. As janelas pregadas por dentro com espessos pedaços de madeira. Os vidros embaçados de umidade. Um velho ventilador enferrujado trazia a vida comodo adentro. A senhorinha sorriu para mim, seus olhinhos membranosos e miudos, azuis de catarata. Ela começou a gargalhar. Porque você se dói tanto Cecília Ana. A mãezinha sabe o que você quer. Ah... Mas você tem certeza que quer mesmo? Meus olhos se encheram de mofo. Quero dizer, água. Se você sabe tanto, você não precisa me perguntar isso. Murmurei silenciosamente na esperança que ela não ouvisse. Os ouvidinhos cegos também. Ela continuou sua medonha gargalhada. Havia um quadro negro na parede. Ela abriu um cesto fedido coberto de penas. Uma galinha preta. Torceu os dedinhos ao redor do pescoço estreito do bicho. A cabecinha saiu feito tampa de desodorante. Seu nome escrito em sangue no quadro vermelho. Nadia havia desmaiado já na parte da cabecinha. Ela jogou pinga na parede e botou fogo. As janelas fechadas. As chamas que permaneciam no sangue oleoso. Começou a balbuciar alguma coisa que não seguia ordem ou ritmo algum, mas eu entendia. Entendia profundamente enquanto o diabo se divertia com o rabo enrodilhado entre as pernas.E a fumaça rubra me penetrando as narinas. O sangue escorrendo até encontrar meus lábios. Eu não perguntei e nem fiz questão de entender o que havia acontecido. Pedi a conta. Deus me paga. Ela sorriu com os dentinhos amarelados caindo. Acorda Nadia, a gente precisa ir. Alguém morreu. Eu não sei o que foi que ela pensou que eu queria.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Fila

"Eis me aqui, senhora detentora das emoções, bem aqui, à sua porta. Você, que vivia me chamando de aluado, farrista, sem-vergonha... Eis-me aqui, suando feito boi ladrão, é vim correndo, pra te dizer que tenho febre, especialmente na sua companhia. Sua pele, antes cheirosa, agora me dá certo asco, todo convite seu é um martírio para mim. Logo você que franzia o cenho toda vez que eu lhe contrariava, justo nas horas em que eu mais me sentia eu-mesmo: e sentir-se dono de eu-mesmo é a elevação suprema que qualquer ser-humano almeja! Puta estado de sublimação etérea! E você não passa de um micróbio! Olha o caminho lindo à frente temos para queimar! Tá bom, tá bom, sou uma criança, imaturo..."

Na fila que não andava a conversa se arrastava acirrada, era uma discussão? ou era um relato? Não sei.

Sei mesmo é que uma senhorinha, de uns 50 e poucos anos de idade, lá do fundo resmunga: É, a coisa não anda por causa desses idosos...